Não há dúvidas quanto ao fato de que entre os homens não há melhores ou piores. São as oportunidades que temos ao longo de nossas vidas que legam aos seres humanos as chances para conseguir resultados mais ou menos expressivos. Porém, a retórica discriminatória sempre teve eco ao longo da história, encontrando inclusive alguns tristes expoentes que chegaram a causar grandes tragédias em virtude de seus pensamentos racistas, como Adolf Hitler.
Quem chegou a pensar, em algum momento, que a derrota dos nazistas na Segunda Guerra Mundial representaria para a humanidade um futuro de maior tolerância e respeito constatou que nem mesmo as mazelas vividas por judeus, negros, ciganos ou homossexuais (entre outros) diminuiram as perseguições sofridas por tantos grupos humanos ao redor do mundo.
Do apartheid na África do Sul à matança indiscriminada de grupamentos indígenas nas Américas na luta por terras e riquezas minerais, das guerras no sudeste asiático entre as superpotências da Guerra Fria (menosprezando e submetendo os povos locais a seus interesses) às perseguições desferidas contra imigrantes na “civilizada” Europa, as violências continuaram acontecendo.
Muitas vezes a discriminação é, porém, silenciosa. Ela não se revela na forma de espancamentos ou prisões arbitrárias. Não ficam marcas de hematomas ou cicatrizes que possam referendar as agressões. Há outras formas, muito mais discretas, porém tão nefastas quanto aquelas promovidas por membros da Ku Klux Klan ou das tropas de elite do nazismo. Refiro-me, nesses casos, à discriminação social e econômica, que exclui sem ser ruidosa, sem causar grande impacto ou comoção...
Nós, brasileiros, conhecemos essa triste realidade a partir dos índices de desemprego ou do perfil dos presos que lotam cadeias públicas em todo o nosso país. Por dados como esses ficamos sabendo que as chances dadas à população negra ou aos nordestinos e seus descendentes não são as mesmas oferecidas à população branca. E ainda pensamos no racismo como um fenômeno tipicamente norte-americano...
“O Preço do Desafio” nos conta a história de um grupo de estudantes de origem hispânica que, confinados a uma escola sucateada nos subúrbios de Los Angeles, superou as mazelas impostas pelo sistema para demonstrar que a etnia não é fator decisivo para o sucesso ou para o fracasso. Essa história provavelmente já foi vivida em outros locais dos Estados Unidos e, acredito, no Brasil. Ela poderia muito bem ser transposta para nossas terras e contada por professores e estudantes brasileiros que também já conseguiram superar tantas e tantas dificuldades.
Esse é o grande mote desse notável filme, a capacidade de superação, a gana (como dizem os personagens ao longo da projeção), a constatação de que a superioridade de uns sobre os outros não existe se as condições de vida e de trabalho são similares. E a razão de toda essa superação foi a disposição e a força de um professor de Matemática, também hispânico...
É por essas e outras que fico sempre a pensar porque muitas vezes reclamamos tanto se temos essa força toda dentro de nós!
O Filme
Jaime Escalante (Edward James Olmos, em atuação inspirada) é o novo professor de Matemática da Garfield High School (Ensino Médio), uma escola situada nos subúrbios de Los Angeles que tem uma reputação nada agradável quanto à disciplina e resultados de seus alunos. Escalante trocou um emprego rentável e muito mais tranquilo numa indústria pelo desafio de lecionar. Estava destinado a introduzir seus alunos ao recém lançado mundo da informática...
Ao chegar à escola foi surpreendido pela informação da não existência de computadores naquela instituição. Por esse motivo ficou encarregado de dar aulas de Matemática. Ao entrar na sala de aula pela primeira vez, outra surpresa, os alunos circulavam de um lado para outro, não se importando com a presença do novo professor e, menos ainda como o estudo que deveriam então realizar.
Escalante teve que, literalmente, se desdobrar para conseguir fazer com que os alunos participassem de suas aulas. Para isso, tentou cativá-los com a utilização de técnicas diferenciadas em relação ao que eles conheciam, mostrou interesse real pelo aperfeiçoamento de cada um dos estudantes que frequentavam sua disciplina e, acima de tudo, mostrou a todos que eles eram capazes de superar as dificuldades que se colocavam ao longo de seus caminhos a despeito das dúvidas que pairavam sobre sua capacidade pelo fato de serem hispânicos.
Não foi tão fácil quanto se possa imaginar. A rebeldia de alguns fez com que o professor passasse por situações difíceis, sendo inclusive ameaçado quanto a sua integridade física. Porém, respaldado pelo apoio daqueles estudantes que entenderam sua proposta e seu trabalho árduo, resolveu propor ao grupo um desafio ainda maior: aprender cálculo e conseguir passar nos exames de admissão para as melhores universidades a partir dos resultados obtidos numa prova nacional de Matemática (fato inédito para aquela escola até esse momento de sua história).
“O Preço do Desafio” (baseado em fatos reais) do diretor Ramón Menéndez nos apresenta uma história arrebatadora, onde as possibilidades de um grupo de estudantes são colocadas à prova diante de um grandioso desafio que poderá lhes fazer entrar não apenas no seleto mundo universitário, mas também, demonstrar que as discriminações às quais eram submetidos escondiam toda sua força e capacidade...
Aos Professores
1- Um dos temas abordados no filme “O Preço do Desafio” é a indisciplina. Frequentemente enfrentamos situações de desacato, desrespeito, apatia ou desinteresse por parte de nossos estudantes. Seja onde for, a indisciplina aparece como tema cotidiano das conversas entre profissionais da educação. E como lidar com esse dilema? O que podemos fazer? O mais importante, antes da tomada de qualquer decisão mais radical é que tentemos manter a calma, e o melhor é se antecipar a qualquer ato de indisciplina. Para isso é fundamental que os professores tenham suas aulas planejadas com o intuito de tornar o trabalho em sala o mais interessante e agradável possível. A diversificação, do uso do novo, só dessa forma poderemos tomar as decisões mais corretas para essas situações. No entanto, antes de remediar, o uso de materiais, a exploração das tecnologias de ponta, a articulação de trabalhos que envolvam os alunos e a criação de pontes que liguem o que está sendo aprendido com o que existe no mundo lá fora devem ser artifícios usados o mais frequentemente possível pelos educadores. Ao encaminhar seus trabalhos dessa forma, evitam-se muitos e muitos problemas...
2- A paixão demonstrada pelo professor Escalante pela Matemática é outro fator importante apresentado em “O Preço do Desafio”. O respeito dos alunos pelo professor e pela disciplina por ele ministrada aumenta na medida em que essa relação de proximidade pelo conhecimento fica mais evidente. É lógico que não basta isso, é necessário que cada professor aperfeiçoe suas práticas pedagógicas a fim de permitir que seus educandos entendam as relações entre o conhecimento lecionado e o mundo em que vivem...
3- Quando dialogamos com nossos estudantes e firmamos um trabalho em que se estabelece um contrato pedagógico, através do qual se definem as responsabilidades e compromissos tanto dos professores quanto dos estudantes, fica muito mais fácil trabalhar e se evitam diversos tipos de problema. Questões como pontualidade, frequência, avaliações, postura, vestuário e materiais, quando discutidas antecipadamente, permitem que o professor e também os alunos se sintam como parte de um grupo, no qual todos devem respeitar as normas discutidas para garantir um melhor ambiente para todos.
4- Entre as estratégias utilizadas pelo professor Escalante em “O Preço do Desafio” podemos perceber as aulas expositivas e os exercícios em série como um recurso muito comum. Quando falamos na necessidade de renovar nosso estoque de recursos, introduzindo uma prática que integre mais os estudantes ao processo de construção do conhecimento, não estamos pregando o fim da utilização de exercícios e aulas expositivas, mesmo porque elas ainda são (e sempre serão) recursos valiosos para as aulas dos mais inovadores e arrojados educadores. O importante é que utilizemos também essas técnicas desde que venham a ser contextualizadas e adequadas aos novos tempos, a uma nova clientela e não apenas meras reproduções de conhecimento livresco. Devem ser debatidas, enriquecedoras, inclusivas e abertas sempre a qualquer questionamento.
Sheila Cristina de Almeida e Silva Machado Graduada em Pedagogia; Especializada em Orientação Educacional; Pós-Graduada em Psicopedagogia; Atua como Orientadora Educacional no Colégio Poliedro de São José dos Campos – SP.
Ficha Técnica
O Preço do Desafio
(Stand and Deliver)
País/Ano de produção: EUA, 1988
Duração/Gênero: 103 min., Drama
Direção: Ramón Menéndez
Roteiro: Ramón Menéndez e Tom Musca
Elenco: Edward James Olmos, Lou Diamond Phillips, Andy Garcia, Estelle Harris, Virginia Paris, Mark Eliot, Will Gotay, Patrick Baca.
Nota:
Jaime Alfonso Escalante Gutierrez (Dezembro 31, 1930 — Março 30, 2010) foi um educador boliviano radicado nos Estados Unidos que ficou conhecido por ter ensinado Cálculo de 1974 a 1991 em Garfield High School, Los Angeles, California. Escalante inspirou o roteiro do filme "O Preço do Desafio" (Stand and Deliver - 1988), no qual foi interpretado pelo ator Edward James Olmos.
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