Recebi ontem o enésimo e-mail com mensagens saudosistas enaltecendo o ontem e criticando o hoje. Peraí! Onde estavam essas pessoas, que achavam tudo tão bom “antigamente”, enquanto o mundo mudava? Possivelmente, de braços cruzados vendo a banda passar ou, para ficar mais atual, vendo a fila andar. É aquele famoso e aterrorizante silêncio dos bons a que se referia o grande Martin Luther King. E agora? Do que adianta reclamar? Romper o silêncio com críticas nada construtivas só serve para aplacar um remorso que elas nem sabem que sentem.
Numa comunidade de educadores no facebook foi publicada a seguinte mensagem:
“Hoje em dia nossas crianças e jovens trocaram:
Brinquedos por maquiagem;
Carrinhos por jogos de matar;
Livros pela televisão;
Bonecas por bebês;
Suco por cerveja;
Imaginação pelas drogas;
Abraços por socos;
Amor por presentes;
Alegria pela depressão!
Será que isso não é motivo suficiente para repensarmos a educação de crianças e jovens?”
Achei bem bacana, mas fiquei me perguntando o que seria exatamente esse “repensar”. Vivo cercada por professores e uma das frases mais ouvidas nas rodinhas da categoria é “No meu tempo...”. Quando começam uma fala assim, normalmente é para seguir com alguma bomba, do tipo, “...a gente decorava a tabuada na primeira série primária!”. Puxa, que vantagem! Aos seis anos, quando a criança estava formando o conceito da adição, lascava-se logo um “sete VEZ oito” sem a menor preocupação em associar a multiplicação à adição, sem dar à mente a oportunidade de amadurecer um conceito, sem mostrar uma aplicação prática para aquele cálculo. As pessoas que tanto elogiam a didática antiquada da Matemática se esquecem que, no mínimo, 70% de sua geração fugiu das carreiras na área tecnológica exatamente por extrema aversão à Matemática!
Estou citando apenas um exemplo na minha área para não entrar na seara alheia, mas... não querendo me meter, e já me metendo... Será que o programa de Literatura Brasileira não estaria contribuindo para que mais e mais jovens troquem o livro pela televisão? Vejo meus alunos em 2012 lendo exatamente os mesmo livros que eu lia em 1972. Quarenta anos depois, Bruna Surfistinha é muito mais interessante do que Lucíola! Não seria possível uma reformulação desse planejamento de tal forma que os jovens fossem realmente atraídos pela leitura? Não consigo imaginar os jovens que conheço sentindo-se estimulados a ler depois de “Os Lusíadas” ou dos sermões do Padre Antônio Vieira.
Da mesma forma, não consigo imaginar uma forma salutar de apresentar aos meus alunos intrincadas inequações logarítmicas ou resoluções de sistemas lineares com quatro equações e seis incógnitas. Para quê? Nem preciso ir tão longe: por que ensinar a racionalizar denominadores? Há muitos e muitos anos, a divisão de 10 pela raiz quadrada de 2 (aproximadamente igual a 1,414) era um trabalho hercúleo, concordo. Através da racionalização do denominador, esse cálculo transforma-se em 14,14 dividido por 2 que resulta em 7,07 (cálculo que se faz de cabeça, sem muita dificuldade). Em 2012, todos – eu disse TODOS – os meus alunos têm ao menos um telefone celular com calculadora e podem dividir por números irracionais sem dificuldade alguma. Quando digo isso, sempre surge algum defensor dos fracos e oprimidos para dizer que um estudante lá no interior do sertão nordestino não tem calculadora. Bem, eu nunca dei aula no sertão nordestino, mas trabalhei numa ilha a duas horas e meia de Dili (capital do Timor-Leste), viajando de beiro (um barquinho feito de tronco de árvore equilibrado com bambus) e lá todos os estudantes tinham celulares (telemóveis, como os chamavam) com calculadoras. Milagres da Timor Telecom! Por outro lado, qual a chance de um sertanejo, que não tem nem um celular, vir a precisar fazer qualquer divisão por um número irracional?
“Hoje” não está legal? Há quem pense assim. “Ontem” foi melhor? Pode ser que, para alguns, tenha sido. E “amanhã”? Vou estar reclamando de como as coisas eram boas hoje que, amanhã, já terá se tornado ontem... mas... O que eu fiz para mudar esse estado de coisas? Nada! Mudar é difícil e trabalhoso. O novo é estranho e inseguro. Posso ter tempo para me sentar e reclamar, mas não encontro um minuto sequer na minha vida extremamente ocupada para parar e refletir – repensar o meu trabalho como educadora. E isso, vai muito além da minha mera Matemática...
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